A Saving Brains é uma instituição múltipla composta por diversos doadores e liderada pelo Grand Challenges Canada. Entre 2011 e 2017 ela subsidiou 84 projetos de inovação em 31 países de baixa e média renda. Seu objetivo geral é desenvolver maneiras escalonáveis e sustentáveis de promover o desenvolvimento saudável do cérebro durante os primeiros 1000 dias de vida. Ao fornecer apoio técnico e promover lideranças, a Saving Brains oferece a oportunidade de testar conceitos e “escalar” a ajuda financeira, de forma que certas intervenções consigam ter maior alcance e serem mais sustentáveis em longo prazo.

Como um dos maiores investimentos em intervenções na primeira infância em países de baixa e média renda (Milner et al., 2016), o portfolio da Saving Brains tem potencial único para fornecer informações sobre os processos de ampliação.

Embora sua estratégia não tenha sido projetada para explorar completamente todas as etapas, desde a verificação da eficácia da intervenção até a execução de políticas e programas, ela foi baseada em uma teoria da mudança em nível de portfólio e em um quadro de monitoramento estruturado, o que nos permite avaliar os progressos alcançados com este método. Mesmo no caso de fundos “sementes”, as equipes foram encorajadas a considerar fatores relevantes à ampliação da escala dos projetos. Como tal, a Saving Brains oferece uma oportunidade única para explorar questões atinentes à implantação de intervenções para a primeira infância em diversos ambientes, com maior ênfase na escalabilidade.

Este programa chega em um momento crucial para o desenvolvimento da primeira infância. O tema vem despertando cada vez mais interesse em todo o mundo, conforme evidenciado pelos seguintes documentos: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (United Nations, 2015); a série “Apoiando o desenvolvimento da primeira infância: da ciência à aplicação em grande escala” da revista The Lancet (Britto et al., 2017; Daelmans et al., 2017; Richter et al., 2017); o relatório da Unicef “Assuntos de primeira infância para todas as crianças” e o lançado “Matriz de Cuidados Afetivos para o desenvolvimento da primeira infância”, liderado pelo Unicef e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com o apoio da “Aliança para a Saúde da Mãe, do Recém-Nascido e da Criança” e também da “Rede de Ação para o Desenvolvimento da Primeira Infância” (UNICEF, 2017, OMS e UNICEF, 2018).

Há agora uma oportunidade de transformar toda essa atenção internacional voltada ao tema da primeira infância em uma implementação em grande escala em vários países. Ao analisar as características das redes globais de saúde pública que influenciam sua eficácia frente a desafios concretos, observamos a natureza favorável do contexto político mundial, o aumento do número de atores e a criação de indicadores sobre o desenvolvimento da primeira infância, embora importantes desafios pendentes também tenham sido detectados, especialmente quanto a enquadramento e governança (Shiffman e outros, 2016, Shawar e Shiffman, 2017).

Durante 2016 e 2017, a Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres realizou um processo participativo e de avaliação de efeitos com métodos mistos de 39 intervenções incluídas na Saving Brains. Seu objetivo principal foi estudar a programação, políticas e conclusões obtidas pelo escalonamento de programas em diferentes contextos (Milner et al., 2016). Segundo a terminologia do Quadro de Cuidados Afetivos do Unicef e da OMS (Nurturing Care Framework), 84% das intervenções se concentraram no cuidado atento às necessidades da criança; destes, 63% foram oferecidos pelo sistema de saúde, 25% nos centros de aprendizagem precoce e 12% nas comunidades. De todas as intervenções, 49% se concentraram em nutrição ou saúde, enquanto apenas 9% foram dedicadas à segurança infantil (Milner et al., 2016). Sugerimos três maneiras pelas quais o portfólio Saving Brains aponta para oportunidades para fortalecer a ação e superar os desafios relacionados à implementação em escala.

1 Expansão de redes e suporte à liderança levando em conta a escalabilidade

Nos países de renda média e baixa, a Saving Brains investe em equipes cujos membros têm diferentes formações profissionais e origem em setores diferentes, e em propostas que integram modelos científicos, sociais e de negócios (Saving Brains, 2018). Embora existam redes de desenvolvimento para a primeira infância que já contam com financiamento de grandes investidores, a Saving Brains se destaca como a única que deliberadamente tenta atrair novos atores, incluindo acadêmicos, para estudar a execução e a expansão dos programas em contextos diferentes. As redes para a primeira infância devem ser expandidas para incluir aqueles que recebem as informações, não somente aqueles que as geram, para que as evidências possam ter um maior impacto na implementação.

Um feedback qualitativo obtido através da avaliação do conteúdo da Saving Brains também ressaltou a importância de investir na promoção da liderança local em favor da primeira infância. A Saving Brains ofereceu às equipes dos países de renda média e baixa um programa estruturado de desenvolvimento de lideranças durante o desenvolvimento das propostas e do ciclo de concessão do financiamento. Incluiu seminários e oficinas on-line, acesso a uma ampla variedade de especialistas técnicos e, em maior ou menor grau, aumento de oportunidades para aprendizagem entre pares em encontros da comunidade Saving Brains. No futuro, para promover o aumento de escala, será importante oferecer mais oportunidades de aprendizagem cooperativa e investir mais em treinamento de líderes, além das limitações temporárias dos ciclos de concessão dos fundos de apoio.

2 Enquadrar os desafios com maior clareza e impulso das soluções

O ‘enquadramento’ ou ‘a geração de consenso interno na definição do problema e das soluções’ foi identificado como um desafio para o avanço na eficácia das redes globais de desenvolvimento da primeira infância (Shawar e Shiffman, 2017). Esse campo tem um histórico de inconsistências terminológicas, de definições de variáveis e de dicotomias artificiais discutíveis (como “saúde versus educação”, “desenvolvimento versus incapacidade”, ou “sobrevivência versus desenvolvimento infantil”). Um dos principais pontos fortes do Saving Brains, que se reflete no feedback qualitativo, foi que ele oferecia uma “linguagem comum” por meio de treinamento e requisitos para redigir relatórios.

Como afirmou um dos gestores de programas da primeira infância de uma importante ONG internacional: “A Saving Brains revolucionou […] esse campo, nos ajudou a falar a mesma língua”. Por exemplo, vários interessados concordaram com a importância de compartilhar a agenda do “capital humano” e as razões para investir no desenvolvimento da primeira infância como importantes para a defesa de direitos em todos os setores dentro dos contextos de seus países. (Milner et al., 2016)

No entanto, detectou-se certa falta de clareza em alguns aspectos, com um particular desafio para a diferença de vocabulário percebida entre os pesquisadores e os encarregados da execução. Por exemplo, os primeiros geralmente falam sobre tipos amplos de intervenção (como “programas parentais”) ou currículos específicos, enquanto os últimos preferem falar sobre componentes específicos da intervenção (Milner e outros, 2016, Britto e outros, 2017). Como já sugerido anteriormente por Yousafzai e Aboud (2014), mudanças na ênfase de políticas e programas exigem uma definição mais clara do “o quê” e do “como” da implementação. Os componentes mais importantes de cada intervenção devem ser descritos em termos práticos e com maior detalhamento.

Um maior consenso sobre as principais definições do desafio e das soluções, envolvendo-as em “pacotes” claramente descritos que podem ser adaptados a cada contexto, será importante para garantir a clareza do que é “solicitado” àqueles que criam políticas e programas como os principais responsáveis pela implementação. O informe Early Moments Matter for Every Child (Unicef, 2017) e o Quadro de Cuidados Afetivos para o desenvolvimento de Primeira Infância do Unicef (OMS y Unicef, 2018) são oportunidades importantes para unificar nossa voz.

3 Melhorando as medições para obter resultados e prestar contas

A Saving Brains contribuiu para o progresso recente das métricas globais de desenvolvimento infantil, o que inclui o apoio ao desenvolvimento de medidas em nível de população, como os Indicadores da OMS para o Desenvolvimento de bebês e crianças pequenas e o Índice de Desenvolvimento precoce Relatado pelo Cuidador (McCoy et al., 2016). No entanto, a medição em diversos ambientes continua a representar grandes dificuldades agora que a ênfase está na execução em grande escala. É necessário explorar, descrever e medir o processo de implementação (Yousafzai and Aboud, 2014).

A iniciativa Saving Brains desenvolveu um quadro de monitoramento e avaliação para os beneficiários de fundos que se estruturava em torno de uma ‘teoria da mudança’ a qual incluía fatores contextuais, insumos, produtos e resultados na implementação das intervenções, e exigia por fim que os beneficiários fizessem o acompanhamento dos indicadores. O feedback qualitativo das equipes foi de que esse acompanhamento foi importante, pois levou a valorar fatores (como o contexto da política) que, de outra forma, não seriam levados em conta em um estágio inicial do projeto de implementação. No entanto, numerosos problemas também foram detectados, como a diversidade de processos ao utilizar as ferramentas de medição nos diferentes contextos, as limitações na variedade de resultados medidos e a ênfase em resultados de curto prazo em diferentes níveis, e o fato de depender em excesso dos comentários fornecidos pelos pais para medir os resultados. (Milner et al., 2016). A estrutura permitiu detectar sinais precoces de efeitos potenciais que mais tarde poderiam ser validados com fases de apoio mais longas. (Radner et al., 2018).

As partes interessadas envolvidas na avaliação do Saving Brains também destacaram a importância de comunicar os resultados do desenvolvimento infantil com precisão, e de forma compreensível para os interessados que não pertencem ao campo da primeira infância. Especificamente, as medidas provisórias para comunicar o progresso alcançado no caminho para o impacto foram consideradas importantes, devido o tempo necessário para medir a evolução do desenvolvimento infantil a longo prazo. As medições devem ser precisas e exequíveis em escala.

2.6 ECM18-Scaling1Milner_al-handover

Foto: Joop Rubens/Kidogo

Uma parceria crescente

Desde a avaliação descrita neste artigo, a aliança Saving Brains tem crescido (Milner e outros, 2016; Saving Brains, 2018) e, graças a novos investimentos, mais de 50 intervenções adicionais estão sendo planejadas e testadas. Saving Brains oferece informações úteis, mas não faz milagres: para melhorar a escala das intervenções em prol da primeira infância que alcançaram resultados em diferentes contextos, não basta envolver as redes tradicionais, é preciso incluir também a comunidade não especializada responsável pelas políticas e programação, bem como definir pontos críticos no desenho e implementação dos programas. Evidências para esclarecer os pontos críticos são necessárias para orientar questões comuns levantadas pelos responsáveis pela implementação, incluindo quadros, conteúdo da intervenção, custos e rotinas para mensurar a cobertura, a qualidade e os resultados para melhorar a prestação de contas no monitoramento do progresso em direção às metas.

As referências podem ser encontradas na versão em PDF.

Chapters
Chapters